quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Teixeira Gomes – A Literatura de um Presidente









Gostava mais do povo trabalhador do que da burguesia alambicada e egoísta este grande senhor das letras que nasceu numa família rica e poderosa de Portimão em 27 de Maio de 1860… (1)
Em tempos de memórias da Implantação da República, lembrámo-nos de ler e divulgar Manuel Teixeira Gomes, o escritor e o republicano que chegou a Presidente. Elegeram-no em 1923, abandonou o cargo em 1925. Não foi, contudo, o mais breve Presidente nem o único que se dedicou à Literatura. Dos dezoito presidentes que a República Portuguesa teve até hoje, dois outros - Manuel de Arriaga, o primeiro, e Teófilo Braga, o segundo - foram poetas, e Teófilo Braga com vasta obra no campo da poesia e da recolha e crítica literárias.
Teixeira Gomes, não sendo um escritor divulgado nas nossas escolas, é dotado de uma excelente escrita, que, indubitavelmente, agrada aos amantes da leitura. É sensual, gostosa, rica, desenhando personagens surpreendentes, finais inesperados e paisagens que visualmente nos chegam intactas.
Dado que viajou muito e permaneceu no estrangeiro em longas temporadas, por motivos políticos ou de negócio, e também nos dezasseis anos de exílio final da sua vida, conheceu sociedades e paisagens diversíssimas que transportou para os seus escritos: França, Holanda, Itália, Norte de África…
Algumas das suas narrativas mais conhecidas são Maria Adelaide, Novelas Eróticas e Gente Singular (colectânea de contos). A sua obra reflecte a sua personalidade, o seu génio de narrador e as suas experiências de vida filtradas pela lucidez, pelo sentido estético e pelo humor.
Na sua formação, conta-se a frequência do curso de Medicina em Coimbra, de que desistiu, para desgosto do pai, grande proprietário algarvio. Instalado em Lisboa, conviveu com os escritores João de Deus e Fialho de Almeida. Com 39 anos, juntou-se a Belmira das Neves, filha de pescadores, de quem teve duas filhas.
Na política, foi, desde jovem, republicano, tendo colaborado no jornal A Luta, de Brito Camacho. Depois da Implantação da República, em 1910, foi ministro de Portugal em Londres, em Madrid e delegado de Portugal nas Nações Unidas. Em 6 de Agosto de 1923, foi eleito Presidente da República, numa situação governativa extremamente instável, cargo a que resignaria em 1925, alegando motivos de saúde, após o que saiu de Portugal para não mais voltar.
Nas palavras de Teixeira Gomes, a explicação de tão breve governo é elucidativa:

A política longe de me oferecer encantos ou compensações converteu-se para mim, talvez por exagerada sensibilidade minha, num sacrifício inglório. Dia a dia, vejo desfolhar, de uma imaginária jarra de cristal, as minhas ilusões políticas. Sinto uma necessidade, porventura fisiológica, de voltar às minhas preferências, às minhas cadeiras e aos meus livros. (2)

Morreu aos 81 anos, em Bougie, na Argélia.

O dinheiro que tinha consigo chegou à justa para pagar a conta do hotel e as despesas do funeral. Nunca manifestou qualquer desejo respeitante ao seu enterro. Não costumava falar da morte. Por vezes chegou a desejá-la, nas horas de maior sofrimento. O orgulho, porém, vencia nele a dor física – esse indomável orgulho que o fez resignar as funções de chefe de estado, o orgulho que o levou ao exílio, o orgulho que não o deixou voltar a Portugal, o orgulho que o fez morrer longe da família e dos amigos, num quarto de hotel onde viveu dez anos, num desconforto moral arrepiante. (3)

Na pátria, em pleno Salazarismo, aquando da trasladação dos seus restos mortais, em 1950, o funeral de Teixeira Gomes, em Portimão, deu azo a uma grandiosa manifestação republicana.
Se ficou interessado neste autor e na sua escrita, leia as obras Maria Adelaide e Gente Singular, que serão objecto de duas pequenas análises em breve publicadas neste blogue.

Ana Garrido, Carla Diogo e Lina Heitor

(1) Urbano Tavares Rodrigues, "Prefácio" da obra Maria Adelaide
(2) Joaquim Nunes, "Prefácio" Da Vida e da Obra de Teixeira
(3) Norberto Lopes, O Exilado de Bougie